Márcio Coutinho frisa que o debate sobre a fidelidade partidária no Brasil é antigo, mas tem ganhado novos contornos nas últimas décadas. Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 6/1997, estabeleceu-se como condição para manutenção do mandato parlamentar a permanência do eleito no partido pelo qual foi eleito. Essa cláusula tem gerado intenso debate jurídico e político, sobretudo em razão dos limites entre a autonomia individual do parlamentar e o compromisso ideológico assumido com o partido.
A EC nº 6/1997 é compatível com os princípios constitucionais?
A Emenda Constitucional nº 6/1997 introduziu uma nova realidade no sistema político-partidário brasileiro, vinculando o mandato parlamentar à fidelidade partidária. Segundo essa regra, caso um parlamentar mude de partido após as eleições, sem justificativa legal válida, perde automaticamente o cargo. O objetivo declarado era combater o fenômeno das “bancadas alugadas” e fortalecer a identidade ideológica dos partidos políticos.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já se posicionou sobre esse tema em diversas ocasiões, sendo mais relevante a decisão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1351, cujo relator foi o Ministro Celso de Mello. Márcio Coutinho explica que, na ocasião, o STF reconheceu a constitucionalidade formal da EC nº 6/1997, considerando-a compatível com o texto originário da Constituição de 1988.
O parlamentar deve ser escravo do partido pelo qual foi eleito?
Um dos principais argumentos contra a cláusula de fidelidade partidária é a suposta violação ao direito à livre convicção política do parlamentar. Após assumir o mandato, o eleito passa a representar toda a sociedade e não apenas os interesses de seu partido. Nesse contexto, forçar sua permanência em uma legenda mesmo quando há mudanças ideológicas ou rupturas internas pode ser visto como uma forma de aprisionamento político.
Casos recentes ilustram essa complexidade. Deputados e senadores têm trocado de partido após desentendimentos ideológicos ou pressões políticas, levantando dúvidas sobre a aplicação automática da perda de mandato. Segundo o advogado Márcio Coutinho, o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que migrou do PSL ao PL, provocou intensos debates jurídicos e políticos, especialmente por envolver não apenas um parlamentar comum, mas também uma figura nacional de alta projeção.

Como equilibrar autonomia parlamentar e compromisso com o programa partidário?
A autonomia parlamentar é um dos pilares do regime democrático, pois permite que os representantes eleitos expressem suas posições e defendam seus ideais sem submissão a grupos específicos. Mas o sistema partidário pressupõe que os candidatos estejam vinculados a um projeto coletivo, baseado em programas e propostas apresentadas durante as campanhas eleitorais. Esse paradoxo gera um dilema constante: até que ponto o parlamentar pode agir de maneira autônoma sem trair as expectativas daqueles que o elegeram?
Em decisões recentes, o Tribunal tem demonstrado certa flexibilidade, reconhecendo situações excepcionais, como fusões partidárias, mudança ideológica substantiva ou perseguição política dentro do partido original. Porém Márcio Coutinho evidencia que, apesar disso, a falta de critérios objetivos e uniformizados ainda causa insegurança jurídica tanto para os parlamentares quanto para os partidos. Uma solução possível seria a revisão da própria cláusula de fidelidade.
Entre o compromisso eleitoral e a liberdade de consciência
Em suma, o cancelamento de registro ou cassação de mandato por infidelidade partidária revela um conflito profundo entre dois valores igualmente importantes: a fidelidade ao projeto político que levou o parlamentar ao cargo e sua liberdade individual de pensar e agir segundo sua consciência. Embora a EC nº 6/1997 tenha sido criada com o intuito de moralizar a política e evitar desvios oportunísticos, ela pode acabar restringindo a pluralidade de pensamento e a representatividade democrática.
Portanto, Márcio Coutinho conclui que é fundamental que o Estado e a sociedade continuem discutindo formas de aprimorar o sistema político-partidário, garantindo tanto a estabilidade partidária quanto o direito à autodeterminação dos representantes eleitos. Afinal, a democracia só se fortalece quando respeita tanto as regras eleitorais quanto a diversidade de opiniões dentro do Parlamento.
Autor: Rollang Barros Tenis